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Nova lei esclarece uso de arbitragem na administração pública

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Em uma breve anedota, intitulada A Aplicação da Lei, Bertolt Brecht narra um preceito jurídico da antiga China, em que juízes de províncias distantes eram convidados para julgar grandes processos. Além de reduzir os fatores que, porventura, influenciariam o julgador, ao precisarem ouvir todos os relatos novamente, os juízes não se deixariam levar pela ingenuidade em relação ao conhecido, ou pelo receio de fazer inimigos em seu ambiente. Trazemos as sempre valiosas lições de Brecht para introduzir a arbitragem envolvendo a administração pública, direta ou indireta, tema muito em voga atualmente no Brasil e no mundo, principalmente pelo volumoso número de arbitragens de investimento.
Com o objetivo de aumentar o fluxo, então modesto, de investimentos para as nações em desenvolvimento, os participantes do mercado internacional buscaram, durante os anos 60-70, criar um instrumento que neutralizasse parte dos obstáculos que os investidores vinham enfrentando notadamente nos países em desenvolvimento.
Dentre tais obstáculos, o de maior relevância era a carência de proteção do investimento para o caso de atos arbitrários no país de acolhimento. Devido às teorias jurídicas como, por exemplo, da imunidade jurisdicional dos estados soberanos, na ocorrência de litígio o investidor estrangeiro teria que procurar os tribunais do próprio estado investido. Desse modo, dificilmente conseguiam alcançar a efetividade necessária dos assuntos internacionais, quando não expostos a outras influências.
Foi, então, que se criou, por meio da Convenção de Washington, um novo tipo de arbitragem, específica para a proteção do investimento estrangeiro: o Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos (ICSID).
Paralelamente, diferentes países procuraram estreitar as suas relações por meio de tratados bilaterais de investimentos, pelos quais concordaram em atribuir direitos de proteção mútua, semelhantes aos estabelecidos na Convenção de Washington. Esses tratados foram criados com o principal objetivo de promover investimentos de maneira eficiente, assim como o fizera o ICSID, mas de maneira ainda melhor, uma vez que permitem customizar os seus dispositivos de acordo com as necessidades de cada nação e investidores respectivos.
Desde o seu surgimento, os acordos bilaterais de investimento expandiram-se, chegando a mais de 2,5 mil tratados do tipo no mundo inteiro. Na Comunidade Europeia, por exemplo, mais de 1,5 mil tratados bilaterais de investimentos estão em vigor, possibilitando aos investidores desses países acessarem novos mercados como, por exemplo, aqueles de Estados cujo retorno sobre o capital investido é mais atraente.
Cenário nacional
Na contramão dessa tendência, o Brasil nunca manifestou interesse em aderir ao movimento. Diversas são as razões pelas quais o país se mantém reticente em assinar a referida Convenção de Washington. Dentre elas, está o fato de que o Brasil nunca encontrou dificuldades em atrair investimentos, talvez porque a segurança jurídica outorgada a investidores estrangeiros fosse compatível com a rentabilidade do investimento.
Além do tratamento dispensado aos estrangeiros pelo Poder Judiciário ser considerado satisfatório, os instrumentos pelos quais os investidores operacionalizam os seus investimentos em setores privados tradicionalmente incluem, dentre os seus dispositivos, uma convenção de arbitragem, de modo que o estrangeiro reconheça, ali, um campo neutro.
Apesar de sua ampla utilização entre particulares, a arbitragem em contratos envolvendo a administração pública, direta ou indireta, ainda encontrava sombras de resistência. Foi justamente em função disso que a comissão de advogados e professores, presidida pelo ministro Luis Felipe Salomão, após uma discussão ampla e democrática, manteve a estrutura e a substância da lei vigente e propôs alteração aos artigos 1 e 2 da Lei de Arbitragem.
Buscando endereçar os princípios jurídicos que regulam a administração pública, como o da legalidade e publicidade, que haviam sido objeto de críticas quando da discussão acerca da possibilidade de a administração pública se submeter à arbitragem, a Comissão propôs a inclusão ao artigo 1° da Lei de Arbitragem o seguinte parágrafo: “A Administração Pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis”. De igual maneira, propôs que se incluísse no artigo 2º o parágrafo 3, que endereça especificamente o princípio da publicidade, a saber: “§ 3º As arbitragens que envolvam a Administração Pública serão sempre de direito e respeitarão o princípio da publicidade.”
A publicidade da arbitragem envolvendo o estado tem sido objeto de grandes debates no âmbito internacional e merece um artigo exclusivo para endereçá-la, o que virá em breve.
Outra grande dúvida acerca da arbitrabilidade dessas questões seria a capacidade do agente da administração pública para assinar uma convenção de arbitragem, tendo esse ponto justificado a inclusão do §2° no artigo 1 para dizer: “A autoridade ou o órgão competente da Administração Pública direta para a celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações.”
Embora a doutrina e a jurisprudência, em sua maioria, já entendessem que a arbitragem envolvendo tais entes estivesse amplamente autorizada, mesmo em respeito aos princípios que sobre eles se aplicam, ainda se encontrava resistência por parte de alguns setores, notadamente dos respectivos Tribunais de Contas. Com as inclusões aos artigos 1 e 2 da Lei de Arbitragem, a Comissão buscou endereçar tais resistências e extinguir as dúvidas.
Ainda que o principal foco dessas alterações tenha sido o mercado interno, sem dúvida agrega valor também à segurança jurídica percebida por investidores estrangeiros. Se, por um lado, o Brasil ainda reluta em ratificar a Convenção de Washington, por outro caminha mais perto desses mecanismos de atração de investimento, não apenas reforçando o seu compromisso com os meios internacionalmente reconhecidos de solução de controvérsia (arbitragem), como também assinando tratados bilaterais que buscam promover um estreitamento de relações entre o Brasil e alguns países.
Por Octavio Fragata, advogado, sócio da área de Arbitragem do escritório TozziniFreire no Rio de Janeiro, mestre e doutor em Direito Internacional e Integração Econômica pela UERJ. Atua também como professor do IBMEC e da Pós-Graduação em Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 21 de maio de 2015, 6h23